quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Amor


Segue-me ainda mais um pouco, que eu ainda não sei te dizer adeus

Deixa nossas mãos ainda entrelaçadas, nós na corda bamba

na contra-mão desses desertos todos

Há dias que somos inimigos, há dias que somos irmãos

Amantes é o que alguém diria, enamorados de si refletido em olhos do outro

me canso de te ouvir em silêncio

Sou tão antiga em achar que amor é essa areia que o vento leva das minhas mãos

somos rios distantes que se chocam

Não somos o par perfeito, erramos humanos pelos nossos labirintos

Antes de tudo, você é o que me marca o passo

mostra que ainda sou fera entre as feras, a mais venenosa
por odiar tudo que de mim te afasta

Deixa-me ainda seguir-te
Sei que também não queres que eu vá embora

Talvez o tempo tudo depurando nos torne menos amargos

Eu pousarei sobre teu ombro depois da longa tempestade

brisa-borboleta, iniciando a próxima jornada...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Preces


Existem mãos silenciosas que se juntam no escuro

canções de exílio de pátrias desconhecidas

Caminhos interrompidos, exitante alguém diante do próximo passo

Eu vejo os olhos que choram pelos cavalos descontrolados


As rédeas perdidas, de corações que deliram por caminhos irracíveis

As preces mais belas são as mais doentias

E ainda há mãos que não oferecem ajuda, por que estão contando as próprias feridas

Eu choro pela minha prece, contemplo fora do espelho a minha imagem desfeita


Subindo a escada ao contrário, vejo mil escadas que não levam a qualquer lugar

Arlequins transfigurados me fazendo mil perguntas sobre livros que nunca li

Meu teatro de ilusões e sombras não me deixa ver o que é real

Minha prece já foi ouvida? não sei...


Caminho no inferno de Dante e lamento agora não te-lo lido

Não existe fogo que arde e sim gelo e distância

Logo alí vejo Eurídice, e a invejo pelo seu Orfeu, mais um gole de veneno...

Espero pelo meu resgate, que seja ouvida a minha prece
que eu seja salva antes da tempestade.



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Singularidade


Arrasto meu manto na dramaturgia dos erros, e dos acertos

Meu manto sagrado forjado em sucata, em dor e em glórias santas

Tem horas que bebo tanto do mundo que só a arte mais pura me conforta

Só o caos mais sincero grita dentro de mim num traço, num verbo maldito

Acalanto de uma dor gelada que não existe

Eu canto pro mundo dos mortos, dos vivos, das muralhas de Orfeu

bruxa, fada, tempestade, nada... não sou nada...

Queria entender que sou a pura comunicação do pulsar das estrelas

Que habito o silêncio e que sou dragão, homem, tormento e delicadeza

Queria como o monge que entrega ao fogo e não se queima

Entender que simplesmente não sou...

Que isso a que chamo de singularidade, identidade, mémória ou simplesmente Eu

Um dia vai se esvair no vento de uma tempestade

Virão outros depois de mim, como antes já vieram tantos

Como o olhar anônimo na janela distante, mudo, durante a viagem...


domingo, 12 de setembro de 2010

O soldado


Eu não me lembro bem

era ainda muito jovem

foram anos de preparação

Eles diziam que era nobre

Eles diziam que havia um dever

nem eu, nem eles conheciam o meu sangue

Eles me tornaram forte

E mataram antes de tudo a minha sensibilidade

Eu pisava entre serpentes e brasas

Eu não sabia mais reconhecer o que era dor

Eles me falavam de um dia D e uma hora H

Era para isso que serviam todos aqueles anos

Era para isso que eu me preparava

Eles diziam muita coisa

Eu não sabia o que eu estava fazendo ali

na verdade não...

O "grande momento" chegou de surpresa

enfim, realizaria o fim para o qual fui preparado

meus pés tocaram o solo arenoso

e o desconhecido me atordoava e estrondos de todos os lados

Eu não tive tempo para dar o segundo passo

A luz se apagou num misterioso estampido

Fui engolido pelo mar, e até agora, tento saber que eu teria sido...

domingo, 5 de setembro de 2010

Pulsatila


Quem sou eu?

doce, incandecente, tão sutil brisa

passarei por aqui invisível

o coração num unguento de flores

força tenho mas minha sutileza é quem devora

Calma, conta o relógio agora um silêncio necessário

Tudo o que tiver que ser, será amanhã

Hoje não...

Hoje só posso estar anestesiada

Fecho os meus olhos para ter só aquilo que vejo

e o presente me acalma

Cada respiração leva embora rios de dor

rios que não quero mais, estou exausta dos meus holocaustos

Tenho pedido tanto por silêncio

Rezei mais de mil orações indizíveis para reencontrar minha alma

Como quero esse copo de água com açucar

Como quero estar apenas eu comigo mesma

Como quero tanto esse sono reparador

Pulsatila, me quero leve como você brincando ao vento

Na liberdade de nada mais ter que ser

além de tudo e simples nada

sem qualquer futuro ou passado

Apenas mais uma flor

da mais leve brisa gerada